Seleção e tradução de Francisco Tavares
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Polónia: depois do embargo aos cereais ucranianos, paragem do fornecimento de armas
Entrevista a Bruno Drewski, por Robin Delobel
Publicado por
em 2 de Outubro de 2023 (ver aqui)
Publicacão original por
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Embora a Polónia seja um dos maiores apoiantes militares e políticos da Ucrânia, na quarta-feira o primeiro-ministro polaco Mateusz Morawiecki declarou que a Polónia deixaria de enviar armas à Ucrânia.
Para saber mais sobre o significado destas declarações, falámos com Bruno Drewski, historiador, politólogo e professor no Instituto Nacional de Línguas e Civilizações Orientais (INALCO). Bruno Drewski é também o responsável dos assuntos e relações internacionais do ANC (Association Nationale des Communistes).
Como devemos interpretar esta mudança de atitude da Polónia? A questão das armas é um factor da recente tomada de posição da Polónia?
Quase se poderia falar de uma inversão de tendência. Há duas razões para isso: uma de curto prazo e outra de longo prazo. A Polónia encontra-se em período eleitoral e a posição do partido no poder não é clara para as eleições.
A Ucrânia é uma questão que divide a sociedade polaca, especialmente o eleitorado do partido no poder PiS, que é parcialmente rural e particularmente irritado com as importações maciças de cereais e outros produtos agrícolas da Ucrânia que fazem concorrência à produção polaca.
Muitos polacos consideram a Ucrânia particularmente ingrata porque recebeu muita ajuda da Polónia. A situação eleitoral leva o partido no poder a tentar lisonjear uma parte do eleitorado atingida pelo peso económico das medidas tomadas para a Ucrânia.
No entanto, este aspecto a curto prazo pode cessar após as eleições. Dada a configuração política da Polónia, não creio que o governo polaco assuma posições estratégicas, isto é, a longo prazo, sem o apoio dos Estados Unidos.
Penso que o que o presidente da Polónia disse em Nova Iorque na sessão anual da ONU, não é uma casualidade que tenha ocorrido num momento em que o New York Times publicava artigos críticos da situação militar e geral na Ucrânia.
Dentro da elite americana deve haver um debate virulento entre aqueles que querem continuar a armar a Ucrânia e aqueles que dizem que está a começar a custar muito dinheiro e sem grandes resultados. A posição dos “pró-ucranianos” parece cada vez mais precária.
Saberemos mais depois das eleições polacas para compreender se se trata apenas de bajulação eleitoral ou de uma verdadeira mudança de estratégia.
Quanto à questão das armas, a Polónia tinha armas herdadas da União Soviética que foram enviadas para a Ucrânia. A Polónia substituiu-as por armas mais modernas, pelas quais pagou muito, armas importadas de países ocidentais, a maioria das quais dos Estados Unidos. A Polónia aproveitou o conflito para se livrar das armas antigas e renovar o seu arsenal militar.
Mas isto soma-se e não é a raiz do problema, que é o custo geral da ajuda à Ucrânia, o custo dos refugiados ucranianos e, em especial, o custo para o mercado polaco e para os agricultores polacos das importações agrícolas provenientes da Ucrânia, especialmente de cereais.
Para aqueles que não conhecem a política polaca, pode explicar por que razão necessitaria do apoio dos EUA?
No geral, a classe política polaca e grande parte da oposição foram acalentados pelos Estados Unidos depois de 1989. No início dos anos 90, houve uma verdadeira reestruturação e reorientação das elites políticas.
Os Estados Unidos fizeram de tudo para reorientar as elites polacas para a Aliança Norte-Atlântica, incluindo a chamada elite ex-comunista. Os conselheiros americanos afluíram para ajudar a “transformar” a economia polaca.
Desde então, a Polónia foi “gangrenada” por agentes de influência pró-americanos, obviamente com um certo medo da Rússia. Embora o aspecto histórico do medo da Rússia seja muitas vezes exagerado, as relações entre polacos e russos nem sempre foram tão tensas como geralmente se pensa.
A situação económica e social era difícil e havia necessidade de um inimigo. Até 1989, o inimigo mais óbvio era a Alemanha, mas depois disso foi necessário encontrar outro. As relações entre a Polónia e a Alemanha são complexas. O parceiro preferencial, e também o menos problemático, eram os Estados Unidos.
Existe uma mudança global no apoio a Zelenski? Também por parte dos outros vizinhos da Ucrânia, sobre os quais se fala menos?
Quanto à Polónia, a opinião polaca nunca foi muito favorável à Ucrânia. Mas o choque da guerra levou muitos polacos a voltar a apoiar Kiev e Zelenski.
As coisas mudaram muito desde então, mas a situação militar na Ucrânia mostra que a guerra se arrasta e que a vitória está longe de estar no fim do túnel.
O apoio económico à Ucrânia está a custar caro à população polaca. Em segundo lugar, a presença de um milhão de refugiados ucranianos na Polónia, para além da população já presente antes de fevereiro de 2022, é igualmente dispendiosa.
Os ucranianos na Polónia recebem muitas prestações sociais num país onde uma grande parte da sociedade é precária. Eles também receberam uma série de privilégios. Os polacos não entendem por que razão, por exemplo, os ucranianos estão à frente deles em termos de acesso à habitação.
De um modo mais geral, a mudança na política polaca reflecte o facto de no Ocidente, e em particular nos Estados Unidos, se esteja a fazer perguntas sobre as perspectivas futuras das escolhas da NATO na Ucrânia.
A Ucrânia começa a custar muito, e já não está claro o que pode trazer. Especialmente porque os Estados Unidos tinham ambições agrícolas com as terras ucranianas. Mas metade está nas mãos dos russos e a outra metade está na linha de frente, por isso não podemos usá-la. A rentabilidade do projecto ucraniano começa a ser duvidosa.
Todos os países que fazem fronteira com a Ucrânia foram afectados pelo afluxo maciço de cereais ucranianos baratos. Encontram-se em concorrência económica com o país que estão a ajudar. Cada país está a reagir com diferentes graus de virulência, mas nenhum deles está satisfeito com a situação.
A Eslováquia, a Hungria e a Polónia manifestaram-se contra estas importações e a União Europeia não sabe o que fazer. Por um lado, quer apoiar a Ucrânia, mas, por outro, os seus membros estão a pagar o preço por esse apoio.
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O entrevistado:
Bruno Brewski, historiador doutorado (Universidade de Paris III, INALCO), politólogo e professor no Instituto Nacional de Línguas e Civilizações Orientais (INALCO). Bruno Drewski é também o responsável dos assuntos e relações internacionais do ANC (Association Nationale des Communistes) (para mais ver aqui).
O entrevistador:
Robin Delobel, jornalista independente, mestre em jornalismo pela Universidade Livre de Bruxelas.


